A águia e a mosca
Tribuna Popular. Ano IV, número 171. 08/01/2006. (PARTE 1)
Tribuna Popular. Ano IV, número 173. 27/01/2006. (PARTE 2)
A ÁGUIA E A MOSCA.
Bruno Cava
A Mosca era feliz. Rodopiava e zunzunava por todo o vale e tudo lhe parecia leve e gracejante. Vivia assim nessa estultície, dançando sonsa, zumbindo e se alimentando dos restos que os outros animais porventura deixavam para trás. Não lhe interessava saber para que servia e nem de onde vinha. Para a Mosca, bastava fazer o que lhe era natural, mosquear, ou como se diz, andar às moscas.
Certo dia, porém, quando pairava despreocupada, uma sombra veloz e possante cruzou por cima dela, tão violenta que a forçou a imediatamente pousar sobre um graveto, engelhando o coração. O animal potente riscava o céu sobre as copas das árvores, seguro, firme e certeiro. Trocista, subia à alturas vertiginosas apenas para despencar em ângulo reto, quase se esbofetando contra o chão. No último instante, desviava do choque e punha-se novamente a ganhar altura. A cada mergulho altaneiro, emitia um som metálico similar ao da bigorna. Ostentava afiadas garras, longas asas e uma plumagem exuberante. Decerto um animal potente e vigoroso e ao mesmo tempo terrível. Jamais a Mosca vira semelhante mistura de beleza e horror, tamanha vivacidade. Tão súbito quanto aparecera, o bólido decidiu voar horizontalmente e desapareceu do campo de visão.
Por coincidência, um Mico passava no local no mesmo momento e presenciou a cena. Notando o assombro da Mosca, paralisada, disse-lhe: ‘Mosca, não vais me contar que nunca tinhas visto a Águia!? Pois saiba que a Águia é a soberana do vale. É o animal mais forte, destro e sagaz, que a todos atormenta e mata e devora, mas que a nenhum teme. Voa pujantemente por sobre as paragens da várzea incutindo medo nos passantes’.
A Mosca maravilhou-se com a nova descoberta. Sentiu um fascínio tão intenso que quis ser como ela. Então falou ao Mico: ‘Agora que presenciei o vôo da Águia, que nem em sonhos podia conceber, não posso mais me conter, não encontro mais paz de espírito… ora, eu também quero ser como a Águia!’ Dito isto, o Mico zombou: ‘Quer ser como a Águia? A Águia?! Mosca, enxerga-te, criatura infeliz! Tenho dó do teu infortúnio!’ Não esperando a invectiva, a Mosca aproximou-se da poça d´água. Pôde assim olhar o próprio reflexo: ‘Que natureza ingrata, oh, destino cruel, coincidência da vida que me fez tão desprovida de dotes ou qualidades, quão desditosa é minha existência; agora que conheci a Águia, percebo como sou desproporcionada e repugnante! Todavia! Todavia, ainda hei de me tornar como a Águia!’
Resolveu então dirigir mais um questionamento ao Mico: ‘Meu amigo brincalhão, podes me revelar onde mora a Águia, onde posso encontrá-la para uma conversa?’ ‘Sim!’, respondeu o Mico: ‘O ninho da Águia fica no pico da montanha mais alta, que circunda nossa região… lá do alto ela assiste à movimentação do seu reino e decide quem será despedaçado por suas garras e devorado, para aplacar a fome ou por capricho da ferocidade… mas eu não iria lá, se fosse tu.’
Mas a Mosca não quis ouvir mais nada. Tinha a cabeça feita e zuniu em direção à montanha mais elevada. Chegando ao sopé do monte, pôs-se lentamente, em ritmo de mosca, a voar a longa distância que a separava do topo. Quanto mais subia, aos bocadinhos, de maior frio sofria, ao mesmo tempo em que o vento se tornava mais e mais cruel. Encontrou dificuldade para equilibrar o próprio vôo, mas ainda assim perseverou na missão. E pensou que, de fato, a Águia deveria ser um animal muito resistente e rijo para suportar diariamente tão fortes e gélidos ventos, típicos das grandes alturas.
Com grande dificuldade atingiu, enfim, o cume. Como o Mico havia contado, ali se encarrapitava a singular e solitária Águia. Postava-se na posição de sentido, espartanamente, asas bem fechadas ao redor do corpo, indiferente à ventania que a açulava. Somente algumas penas sobre a cabeça imponente esvoaçavam. Como um ídolo de aço, em imobilidade absoluta, a Águia fitava objetos tão distantes, tão fora do alcance da visão da Mosca, que parecia admirar o infinito…
‘Poderosa Águia! Vim ter contigo!’ – bradou a mosca tentando vencer o uivo da ventania. Embora tenha ouvido, a Águia não esboçou reação, nem mesmo desviou a vista, que seguia apontada ao horizonte longíquo. Não satisfeita, a Mosca vôou trôpega – o vento era inclemente – para o outro lado e falou ao pé dos ouvidos aquilinos: ‘Águia!, enfrentei os perigos da montanha e aqui estou, clamando por tua atenção! Quero ser como tu! Ensina-me a ser Águia, ó impávida!’ Mas ela permaneceu petrificada. ‘Poderosa Águia, por que não falas comigo? Seriam pretensões desmedidas querer ser tua amiga ou tua escudeira ou tua serva?’ E nada, nem o mais ligeiro movimento.
Não suportou mais o vento e estremeceu, perdendo o controle do vôo. Arremessada sobre uma pedra próxima, chocou-se com um som oco e desfaleceu sem energias. Horas mais tarde, quando voltou a si, a Águia não estava mais. Intranqüila, humilhada, a Mosca praguejou com veemência antes de iniciar a laboriosa descida para o vale. Errou durante um tempo indefinido, alternando lamúrias com blasfêmias, sem formular pensamentos coerentes. Algo havia se quebrado na Mosca jovial e estulta de outrora, provara do sabor ocre do ressentimento. Até que encontrou outra poça d´água e observou novamente a imagem turva que se formava.
Sentiu uma vontade irresistível de se matar. Ao se deparar mais uma vez com o despiciendo reflexo, arremessou-se contra ele como se estivesse investindo contra o assassino de sua mãe – só que o inimigo, desta vez, era si própria. Desmaiou enquanto afundava.
Despertou com o barulho da risada escarnecida do Mico. ‘Tu és mesmo um moscão, infeliz! Assisti daqui do galho: a poça secou e falhaste até em sacar a própria vida!’ Gargalhava de rolar no chão e dar cambalhotas: ‘Tua existência efêmera e abjeta só pode ser uma excrescência da natureza!’, emendou o Mico. Nesse instante, a bílis negra revolveu-se e ebuliu em vapores e gorgolejos nas entranhas da Mosca, que ansiavam para a extravasão. A Mosca crispou-se em espasmo e a descarga veio lancinante: ‘Maldita seja a Águia! Odeio-te mil vezes! Águia, tu és vil, és torpe, és… és MÁ!!’
O Mico condoeu-se e conteve a troça: ‘Mosca, saiba que não és a única que detesta a Águia. Todas as noites reúnem-se vários animais que confabulam planos clandestinos para vilipendiar a dominação da Águia.’ Um leve brilho nos olhos apareceu então pela primeira vez na Mosca. Foi como se um lampejo distante trouxesse a esperança a um andarilho perdido numa noite escura: ‘Mico, caro amigo, conta-me mais e diga-me onde encontro tal reunião secreta!’ E o Mico contou.
Na noite indicada, a Mosca dirigiu-se ao canto mais escuro e pútrido do pântano. Lá encontrou o rumorejar dos animais ínferos e aos poucos pôde distingui-los nas sombras: a Cobra, a Lacraia, o Pombo, a Minhoca, a Barata e a Ratazana. Esta última presidia o grupo e deu as boas vindas a seu mais novo membro: ‘Mosca, nesta organização não há suserano ou vassalos, somos essencialmente iguais, tratamo-nos todos por irmãos e decidimos pela maioria – um voto para cada membro.’
Um após o outro, os bichos asquerosos chiavam, sussurravam e resmungavam contra a arrogância e a prepotência da Águia. Chamavam-na de assassina, torpe, tirana, desrespeitadora da justiça. Concluíam que não tinha direito de dominar e oprimir os demais animais, que exercia o poder despoticamente e que deveria prestar contas de seus atos violentos. A Mosca vinha concordando com todas as posições, porém em determinado ponto pediu a palavra para acrescentar: ‘Meus irmãos, o que dizem é muito certo e justo, mas me preocupo também sobre como podemos agir, na prática, contra a Águia, como podemos pôr fim a sua tirania!’
Fez-se então silêncio. Os membros entreolharam-se constrangidos – uma pergunta sem resposta pendia no ar. Atacar diretamente a Águia certamente seria suicídio. Nem mesmo um exército de baratas e moscas poderia sequer ferir tão pujante animal. Além disso, a mera menção de uma ação concreta contra a Soberana fazia tremer as cartilagens dos presentes. Jamais teriam coragem de arriscar assim a própria pele. Quem pôs fim ao silêncio foi a Barata, que alegando indisposição, queria partir mais cedo, mas a Lacraia não permitiu.
Foi quando a Ratazana teve a idéia: ‘Mosca, tenho uma resposta a teu questionamento! Já dizia o provérbio que a pena é mais forte que a espada, pois então vamos escrever uma Carta de Repúdio – mas não qualquer manifesto – será um documento peremptório e decisivo, um que provará, além de qualquer dúvida, mediante os meios justos e legais, a falta de ética, as ofensas e a imoralidade da Águia… Ela ver-se-á obrigada a se dobrar à justiça e à verdade dessas palavras e doravante se integrará ao convívio saudável, honesto e harmônico conosco, que afinal gozamos dos mesmos direitos que ela! Ou o agressor pára de vez com sua conduta agressiva ou deverá ser exclusa do convívio dos demais! E a ti, Mosca, por ser tão pequena que está a salvo da fome homicida da Águia, incumbirá ler o Manifesto perante a própria responsável por todo o Mal que assola o vale!’ A proposta foi aprovada por unanimidade e o manifesto escrito e assinado a sete mãos, finalizando o encontro daquele dia.
A Mosca carregava a epístola com ar triunfante. Finalmente, alguém daria uma lição de moral na Águia e, quem diria, a gloriosa missão caberia justo a ela, a Mosca, que há pouco tempo não poderia se conceber desafiando altivamente a jupiteriana tirana do vale. Zunzunando faceira, recordava-se da confiança e da expectativa que a Ratazana e os demais membros da organização clandestina lhe depositavam. Vez por vez, apertava o papel timbrado e seu entusiasmo engordava. Acalentou algo que nunca tivera antes: uma missão, um sentido na vida! Ah, mas a Águia pagaria caro pelas vilanias.
No caminho para a montanha mais alta, passou por sobre o lago e pôde, uma vez mais, contemplar o próprio reflexo. Desta vez, porém, não se prostrou como da outra; não se quedou amargurada com a desídia com que o destino a havia tratado. Ao invés, pensou consigo: ‘posso ser repulsiva, asquerosa e sem força alguma, mas isto não importa… o que realmente vale é que sou… sou uma alma boa’! E prosseguiu sorrindo para si: ‘Meu corpo pode ser repugnante, porém que isso interessa?!, a beleza da alma é deveras superior! Posso ser incapaz de levantar uma pluma, contudo não tenho pensamentos maus; sou caridosa e agradável para com todos, sou de bem! Isto me basta, não quero nada além!’
Foi quando o Mico se revelou irrompendo das folhagens. ‘Ei, desventurada criatura, o que é isto que carregas nas patas?’ ‘Meu amigo símio, muito bom dia!’ – respondeu-lhe a Mosca – ‘peço perdão por não poder travar mais um proveitoso colóquio; é que estou incumbida de grave e inadiável missão…’ O Mico franziu o cenho: ‘Missão?! De que estás falando, inseto dos insetos?!’ O orgulho parou a Mosca: ‘Pois tome ciência que doravante represento a Ratazana, a Lacraia, a Minhoca, o Pombo, a Barata e a Cobra; fui designada Arauta da Organização; e fique sabendo que vou enfrentar a Águia!’ – antes de terminar a frase, o Mico já descambava a gargalhar. Desmoronou do galho, de tanto rir: ‘Estúpida!, tu te sacrificarás a toa! Por uma camarilha de inúteis! E ninguém irá no teu enterro!’
Contrariada, a Mosca seguiu viagem. Alguma coisa naquele Mico fazia-lhe ferver as entranhas. ‘Animal insolente, um dia… um dia ele também pagará por seus pecados’. ‘Pois’ – lembrou-se da pregação da noite anterior – ‘tudo que está abaixo do céu é governado numa harmonia oculta e perfeita, em que nada se faz sem que seja pesado, nada acontece por acaso, na verdade, o mundo se alinha conforme uma ordem justa e universal’ Elocubrou ainda que se nascia Mosca, era naturalmente porque um desígnio maior assim desejava, decerto haveria para ela também os pícaros da grandeza e do sucesso…
A subida ao pico mais alto mostrou-se novamente espinhosa. Quanto mais se elevava nas escarpas, mais tremia e rangia de frio e também de medo. Aplacava-o se convencendo mais uma vez da eminência de sua tarefa. Foi quando o tempo cerrou e o vento gélido deu lugar à neve fina e açulante. Mas a Mosca foi perseverante: ‘Ela há de se dobrar ante à mensagem que porto!’
Viu então a majestosa espécime… Parecia adormecida. Olhos bem fechados, asas ao derredor do corpo musculoso – como que o abrigando – a Águia postava-se no cume… soberana, como da primeira vez que a Mosca a admirara. O contraste da ave-de-rapina com o fundo de nuvens plúmbeas e em movimento fazia da cena um espetáculo espantoso.
‘Infame Águia, acorda! Venho em nome dos habitantes do vale, que são do bem, para dirigir-lhe terrível admoestação! Teus dias de perversidade e assassínio não serão mais admitidos pela sociedade civilizada! Tu não sabes o que fazes! Não sabes que desrespeitas a harmonia e a paz do Vale e que por tua causa a guerra tem imperado em todos os níveis! Mas eu venho em nome do Bem, da Justiça e da Moral para demover-te de teus propósitos opróbios! Escuta-me de uma vez para sempre! Águia…’
A Mosca pretendia continuar o exórdio por muito tempo ainda, antes de iniciar a leitura da Carta de Repúdio propriamente dita. Entretanto, neste exato instante, fendeu entre as nuvens negras uma lacuna, através da qual o Sol se apresentou novamente, lançando um raio de luz exatamente sobre o promontório da Águia. Iluminou-a de supresa e ela sentiu o calor solar sobre as penas orvalhadas.
E aí, num lance inesperado, o manancial de vida e de instinto pulsou no âmago da Águia e dela extravasou. Abriu os olhos e estendeu as poderosas asas até a máxima envergadura. Num só golpe, ofereceu toda exuberância e primor de seu corpo espartano de aço. Pulmões possantes faziam inflar a compleição do animal mais forte, mais perfeito – ápice da cadeia alimentar, ponto culminante de inúmeras tentativas e erros do destino, até que numa brilhante inspiração pôde nascer tão vistoso e único animal.
Naquele momento sublime, a Águia hauria para dentro de si toda a diversidade e todo o movimento que se agitavam abaixo dela; sorvia com tal volúpia o néctar dourado da vida – em êxtase que fazia os olhos aquilinos vacilarem sôfregos. A Águia se amalgamava uma só com o vale e os animais; ela estava neles e eles nela. Ela era o próprio Sol, a derramar energia vital e força ao mundo orgânico.
A Mosca imediatamente perdeu a voz e interrompeu o discurso. Perdeu o norte e estolou, deixando que o vento levasse para longe o manifesto que trazia com tanto cuidado. Ficou assim vagando, ao sabor das intempéries, por muitas horas a fio. Embora acordada, era como se nada mais fizesse sentido, nada mais tivesse qualquer valor diante daquela epifania terrível. Fora fulminada por uma beleza que não podia suportar e nem mesmo conceber…
No dia seguinte, a Mosca voltou a si, mas a memória estava embaralhada. Recordava-se vagamente dos acontecimentos do dia anterior, porém não conseguia vislumbrar um nexo causal entre eles. O que tinha auscultado com tamanho horror? Inexprimível! Só podia ser um Anjo! Porém um anjo mau – que mesclava a formosidade do corpo com a malignidade do pensamento; criatura velhaca, decaída, que se travestia do belo para fazer o mal. Recompôs as próprias forças e pôs-se em marcha para relatar aos seus mandantes, que ansiosamente aguardavam notícias da missão.
Lá chegando, na zona mais pestilenta do pântano, notou que já estavam a sua espera. A notícia do encontro entre a Águia e a Mosca havia se espalhado pela várzea. Ansiosa, a Ratazana passou a palavra ao pequeno inseto, que anunciou fazer estrepitosa revelação. Entreolharam-se os bichos asquerosos, impacientes: ‘Diga logo, venerável Mosca, o que descobriste em teu sinistro encontro com a opressora?’
Então a Mosca falou, arrepiada: ‘Irmãos, a notícia que lhes trago é assustadora e terrível… a Águia, na verdade, ela é…não sei como dizer isso, mas… ela é o DIABO!’
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A disputa por um território
Agência Reuniana de Notícias – 30 de Julho de 2006
A DISPUTA POR UM TERRITÓRIO.
Filipe Oliveira
Micronações possuem como território seus websites e suas listas de discussão, basicamente. Trata-se de um conceito de aceitação ampla atualmente, tendo-se ultrapassado a necessidade “virtualística” de uma simulação de país necessitar clamar por um território físico para fugir da infame categoria de país virtual.
Mapas e geografica se tornam, assim, elementos culturais que enriquecem a micronação, gerando assim a possibilidade de se criar divisões político-administrativas, criando mais chances de atividades subsidiárias (cuja eficácia é fator altamente discutível mas que deve ser objeto de uma análise isolada, em outro texto, qualquer hora).
Pasárgada, como outras antes dela, optou por se desvincular inteiramente de um espaço físico em agosto de 2001, com a aprovação da lei local 08/2001, “invertendo o jogo” e chamando de virtual quem clama por territórios macro. Destaca-se que Pasárgada, ainda assim, possui divisões administrativas, chamadas Cantões, pois mesmo sem território buscou os já citados elementos culturais distintos.
O ponto onde se quer chegar é que, hoje em dia, a importância de um território que corresponderia ao da micronação é relativa mais do que outrora fora. É claro que o patético sempre existirá e americanos loucos continuarão dizendo que seu quarto de dormir é um estado soberano e independente…
Mas, nesse universo micronacional rico e sempre em mudanças onde vivemos, um espaço físico tem mais destaque que todos os demais, ao menos na Lusofonia. Trata-se de “uma faixa de aproximadamente 40km2 e está localizado na América do Sul. A posse do território é normalmente creditada à Guiana Francesa…”
Estamos falando do local onde foi fundada a primeira Lusófona, que é também a primeira micronação de língua portuguesa a adentrar a internet: Porto Claro.
Pedro Aguiar, o criador de Porto Claro, dividiu essa faixa de terra em diversos Distritos: Danielle, Comidine, Campo Bastos, Pirraines, Nouvelle Rouen e Distrito Nacional (ver mapa). Foi com essa divisão que o país chegou ao seu primeiro “boom” populacional, quando cerca de 100 cidadãos entraram no país em uma semana, em maio de 1997 (sim, há mais de 7 anos). Fabio Trigo e eu estávamos entre eles.
Em novembro de 97, um grupo de 15 cidadãos de Porto Claro se envolvem na chamada I Guerra Civil Portoclarense e criam Orange. Costuma-se dizer que os fundadores cruzaram o Oiapoque (fronteira sul de Porto Claro) e, “fugindo da estupidez dominante”, fundaram a nova micronação.
Mas não podemos esquecer que “a primeira forma de organização política de Orange foi o ´Margraviado das Duas Pirraines´, formado pela província portoclarense de Pirraines e a então recém-criada província Oranger de Pirraines Oriental”. Ou seja, inicia-se ali a disputa pelo território sul da nossa faixa 40km. Porto Claro e Orange passam a disputar o direito de chamar de seu o distrito de Pirraines. Pirraines Ocidental, para os fundadores orangers.
Este mapa, do princípio de 1998, mostra a divisão política feita pelos orangers, ocupando o outro lado do Oiapoque, reivindicando Pirraines (parte cinza) e fincando pé numa pontinha não ocupada por Porto Claro (parte marrom sob a cinza), apenas por provocação.
Mas Pedro Aguiar, que nunca foi pessoa fácil, arrependeu-se pouco tempo depois de sua participação na I Guerra Civil, colaborando na saída dos orangers. Em fevereiro de 1998 o fundador de Porto Claro deixou o país, vindo para Reunião. Sua criação se tornaria pouco tempo depois uma República.
Só que Aguiar não abandonou o país que criou. Ele preferiu recriá-lo, sob sua ótica, moldando-o de forma que nunca mais os cidadãos quisessem alterar a história e o destino daquela micronação. Assim, enquanto a república era implantada na “Porto Claro original”, criava-se paralelamente um novo “Reino do Porto Claro”. E ambas ocupando a mesma faixa de 40km do território da Guiana Francesa!
Durante boa parte do ano de 98, então, nada menos que três micronações reinvindicaram parte ou a totalidade desse cantinho da América do Sul: as duas Porto Claro e Orange.
Em meados de 98, o já Principado de Orange abriu mão de Pirraines Ocidental e a briga passou a se resumir às “Porto Claros”. Como parte da sua luta pela aceitação do Reino como a Porto Claro de verdade, Aguiar chegou a buscar acordos e abrir mão de parte do território mas comentar e discutir tais fatos, foge do espaço para este texto.
Chega-se a 2000 e uma nova guerra civil abala a República de Porto Claro. Novamente, assim como em 1997, os distritos envolvidos são Pirraines e Nouvelle Rouen, aliadas agora ao Distrito que daria o nome a uma nova micronação: Campo Bastos. Como pode ser visto aqui, a nossa faixinha está novamente dividida. A II Guerra Civil gerou controvérsias maiores, já que além das diversas outras lusófonas agora existentes, contava-se com organizações intermicronacionais, como a OLAM, que teve participação no evento.
Seguindo o mesmo raciocíno que tivera com Orange, Aguiar abriu mão de parte do território do Reino do Porto Claro para a nova República Participativa de Campos Bastos, diminuindo mais ainda seu país
O Reino de Aguiar vira Estado de Porto Claro e, enfim, acaba em 2002. A República de PC continua ativa e uma das mais importantes lusófonas, com mais de seis anos de vida “independente”, sem o fundador do país. PC admite a existência de Campo Bastos como “grupo micronacional, não reconhecido como Estado”, segundo a definição da Chancelaria em http://pclaro.fablsc.com/chancelaria/paises.asp
Apesar dos ânimos menos exaltados hoje em dia, a faixa de terra onde a Lusofonia nasceu continua agitada e controversa. Quem ganha somos nós, micronacionalistas, sempre com muita coisa para pensar e analisar sobre esse território pequeno e tão rico culturalmente.
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O mito da criação da lusofonia
Tribuna Popular. Ano IV, número 173. 27/01/2006.
O MITO DA CRIAÇÃO DA LUSOFONIA.
Bruno Cava
Conta a mitologia grega que certo dia Zeus foi acometido de tenebrosa enxaqueca, mas tão gravosa que o mais poderoso dos deuses entrou em desespero e pôs-se a bater a cabeça contra as paredes. Numa cabeçada particularmente forte, seu crânio rachou e súbito, para surpresa geral, de dentro dele irrompeu uma deusa armada por inteiro e executando a característica dança bélica helênica. Noutra versão, Zeus é golpeado pelo machado de Hefesto, produzindo o mesmo resultado: o nascimento da deusa da inteligência e da estratégia, Atena (Minerva para os romanos). Deusa sem mãe e por isso queridíssima pelo augusto progenitor.
Atualmente, vigora mito similar nestas bandas, o de que a Lusofonia teria surgido abrupta e armada da cabeça de Aguiar, como Minerva do crânio de Júpiter. Numa autêntica religião, crê-se – ou pelo menos divulga-se – que, numa inspiração divina, Aguiar teria criado a Lusofonia ex nihilo. Ele seria uma espécie de grande patriarca – de pai primordial deste eixo histórico-cultural de convivência de micronações e micronacionalistas.
Ocorre que, malgrado a persistente campanha de desinformação, o micronacionalismo lusófono não apareceu do nada, muito pelo contrário: inseriu-se em um micronacionalismo que o precedia não apenas cronologicamente, mas também em termos de práticas, valores e conceitos vigentes. Quando Aguiar inaugurou o então “país de imaginação” na Internet – primeiro passo que deu para fosse alçado à categoria de micronação – imediatamente tomou contato com outros experimentos, com os quais passou a interagir, abeberando-se de projetos relativamente bem sucedidos, como o paradigmático Reino de Talossa, online desde 1995.
Além disso, a diferença temporal entre Porto Claro e Reunião, à época, é insignificante, especialmente levando em consideração a esterilidade e a lentidão com que se davam os acontecimentos nessa era remota. O fio da história era vago, quiçá oco. Mesmo porque o Sacro Império, in origine, não pode ser considerado micronação derivada de Porto Claro ou essencialmente apoiada nas idéias de Aguiar que, inclusive, não eram exclusivas ou 100% originárias dele – mas uma micronação plasmada por anglófonos.
Na verdade, a inter-relação entre Porto Claro e Reunião, desde idos de 97, que somente se foi tão fecunda e intensa que devemos corrigir os desinformados: Cláudio se inspirou em Aguiar ou Reunião em Porto Claro – o que dá na mesma – na medida em que este igualmente respirou daquele espírito micronacional, e desde que se reconheça que ambos inalaram o clima geral de micronacionalismo desses primórdios na Internet, cujas cepas por sinal os antecediam, em inglês e francês.
Ainda, há que se afastar de uma vez por todas o mitologema de que a Lusofonia irrompeu como por encanto da cachola de Aguiar. Fiat lux: e fez-se a “Lusofonia”! Claro que não. Deve-se compreender que não há Lusofonia sem que um peculiar eixo de convivência se dote de consistência, historicamente desenvolvido, caracterizado por práticas, espaços, concepções e discursos em comum. Lusofonia, propriamente falando, é um paradigma e como tal demandou tempo e substância cultural para ganhar forma e se consolidar.
É difícil apontar com exatidão o princípio da Lusofonia, como, diga-se de passagem, é-o para datar a aparição de qualquer novo grupo cultural. Todavia, o ano de 98 apresenta múltiplas positividades que permitem conjecturar que, algum momento por ali, possivelmente no segundo semestre, o paradigma da Lusofonia – também conhecido por reunião-portoclarense – encorpou-se a ponto de ser possível identificar-lhe as fronteiras (e daí se definindo). Entre as positividades, vale destacar a sedimentação das listas de mensagens – inclusive as distribuidoras intermicronacionais – o Prêmio Aruaque, a tentativa da OLAM, os portais de informação e interação, o turismo e o espraiar-se de novas micronações baseadas nas duas grandes pioneiras, bem como diversas práticas comuns de fazer micronacionalismo que o historiador competente poderá desvelar facilmente mediante as fontes disponíveis.
Graças à unidade histórica e cultural – cada vez mais fomentada pela clausura da língua portuguesa – Reunião e Porto Claro encabeçaram um novo grupo cultural que viria a ser conhecido por Lusofonia. Somente o alienado, que se fecha na casca de noz, não pode perceber o terreno comum sobre o qual erguem-se as micronações lusófonas. Contudo, é imperioso para o micropatriólogo não esquecer que nem sempre foi assim: o micronacionalismo lusófono é emanação do micronacionalismo mundial, com influxos anglófonos (especialmente talossanos) e ocasionais contaminações por outros paradigmas ao longo de sua história coesa de 8 anos.
Não por acaso o micronacionalismo pasárgado causou perplexidade nos seus primeiros passos – antes de vicejar e difundir-se e incorporado por outros projetos. Houve até quem dissesse que não se fazia ali micronacionalismo. É porque logo após a fundação, Pasárgada fundamentou-se de elementos de outros paradigmas, modificando pressupostos que muitos sequer percebiam – por estarem imersos nele (assim age o paradigma). Há que se falar mais do impacto pasárgado na Lusofonia em outra oportunidade…
Do breve ensaio, sobrelevam as conclusões, já arrazoadas noutras vezes:
1ª – Aguiar não criou a Lusofonia do nada, porém se inscreveu em um meio micronacional precedente, dele ingurgitando peças para amoldar e informar a micronação pioneira: Porto Claro – sem embargo se trate de micronacionalista com o pathos micronacional, patológico, tendo criado valores e práticas que vingaram; não há aqui intenção de desmerecimento, porém de esclarecimento factual.
2ª – Tanto Aguiar, quanto Cláudio, foram igualmente relevantes para a formação da Lusofonia, o que somente ocorreria em meados de 98. Antes disso, havia uma Lusofonia in statu nascendi – primordial e incipiente – sem práticas sedimentadas, na base da tentativa e erro e sem eixo de convivência próprio. Se há paternidade de um paradigma – o que é discutível – ele cabe predominantemente a Cláudio e Aguiar.
3ª – Esclarecidos os pontos acima, a crença de que em um momento mágico deu-se partida à Lusofonia devido à cabeça de Aguiar trata-se de perspícuo e manifesto mito, que tem sido cultivado e promovido por múltiplas causas: ingenuidade, desinformação, preguiça (de pesquisar) ou simplesmente conveniência. Há que se recordar que a fé numa lenda muitas vezes é sincera – mesmo que patentemente falsa – porque nos torna melhores do que realmente somos ou porque precisamos encontrar uma origem imaculada e especial para a nossa existência.
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Memória e Poder
MEMÓRIA E PODER.
Fernando Henrique Cardozo Silva
A um observador atento da dinâmica micronacional, notará que a História desempenha um papel que é pouco reconhecido pelos praticantes da Micronacionalidade ou mesmo distorcido pelos leigos na arte da historiografia.
A princípio, emprega-se a História como um elemento que dará “legitimidade” à micronação, pois preencherá as lacunas temporais que darão sentido ao processo cujo fim é o tempo presente da micronação no instante de seu aparecimento. Logo, é um acessório à serviço da saga criada pelo Fundador ou Fundadores da nova nação simulada. O produto é geralmente engenhoso, possibilitando ao seu produtor a possibilidade única de inventar, distorcer e até mesmo estuprar os registros históricos oficiais, assumindo uma condição de “semi-deus” ao erguer ilhas onde antes havia apenas o mar aberto, criando guerras onde as conjunturas político-econômicas não eram propícias, ao aclamar um distante parente como descendente de uma dinastia cujo trono perdeu-se a tempos imemoriais.
Dificilmente, no entanto, o Fundador se debruça longamente sobre a preocupação de dar uma razão histórica ao seu país nascente, pois os propósitos em se fundar uma micronação mudam ao longo dos anos. É certo que este autor não se preocupará em levantar argumentações referentes à Problemática da Criação na Micronacionalidade neste ensaio. Mas merece registro, no entanto, a constatação de um empobrecimento geral do elemento História como subsídio à saga constituinte das micronações, em função da não-permanência da maioria dos Estados. Das dezenas de micronações criadas, a grande maioria não passa de registros rasos de idéias, verdadeiros Estados fantasmas, que tão cedo surgem, tão logo desaparecem, e com elas morre o nome, o seu propósito e o pouco de memória que podem ter gerado, de maneira que quase ninguém – fora o próprio Fundador – irá se lembrar de sua existência. Mas há aquelas poucas que sobreviveram, ganharam notoriedade, e é ato criminoso narrar o passado do hemisfério sem fazer constantes menções das maiores dentre as sobreviventes. Nelas, vemos uma bem-delineada ficção histórica que por pouco não beira a própria verdade testemunhada pelos registros oficiais e não-oficiais.
Mas há um outro uso que atiçou a curiosidade deste autor e o motivou à reflexão: a questão da Memória histórica na forma de um instrumento de poder ao nível micronacional. Em geral, o desenvolvimento do micronacionalismo e da micropatriologia é acompanhado pela imprensa na forma dos periódicos que selecionam e registram os eventos que tomam parte no cotidiano da micronação ou conjunto de micronações onde exercem a cobertura jornalística.
À primeira vista, a noção de poder no exercício da Micronacionalidade é atrelado à autoridade estatal e a prática política. Nesse sentido, a noção de poder estaria, em primeiro lugar, vinculada a um conjunto de normas jurídicas que governam a dinâmica institucional do país e que é geralmente confundida com a possibilidade de mando. Uma compreensão de fato limitada desta questão, mas que não peca em sua conjectura, tanto é verdade que não é raro usar da prerrogativa de uma futura ascensão hierárquica dentro da micronação como um instrumento de catequese de novos partícipes dessa prática civil simulada. É certo que nesse aspecto, o exercício do mando é nulo sem uma reação que complete a atitude de dominação, que é, portanto, a obediência ao “cumpra-se”. A autoridade estatal, no entanto, em função de sua organização, é variável, e responde aos valores e ideais daqueles que constituem o Estado e a Nação da micronação criada e, portanto, o pacto firmado entre os indivíduos que formam esse grupo pressupõe a sujeição ao Império da Lei. À medida que os integrantes da sociedade civil desenvolvem-se enquanto agentes históricos e adquirem maturidade política, o espaço para o exercício do mando reduz por conseqüência, diluindo o poder constituído pela norma, e em última instância chegando a provocar o rompimento do pacto.
Diante deste cenário, a imprensa surge como um discreto instrumento, geralmente sob iniciativa da autoridade estatal, preocupado em reverter esse processo de esvaziamento do mando da autoridade, ao realizar a promoção dos atos e iniciativas do Estado ao qual pertence e, por conseguinte, dos nomes que assinam tais atos ou tomam tais iniciativas. Paralelo à promoção ocorre o registro, e entra em cena a historiografia oficial realizada a partir dos acervos jornalísticos mantidas pelo Estado empregadas como fontes ao historiador. É este conteúdo que dá sustento ao registro da Memória nas micronações1.
Mas há um outro aspecto referente à noção de poder que está em seu momento inicial de ascensão em meio à Micronacionalidade: a preservação do legado. A dinâmica micronacional é caracterizada pela curta-duração de seus fenômenos, o que acaba por prejudicar o registro de dados que assegurem uma continuidade ou hereditariedade de informações tanto entre indivíduos quanto entre entes micronacionais. No entanto, o registro é atrelado ao ativismo do indivíduo e mediante seu grau de envolvimento para com o grupo, este o “honra” com o registro pela imprensa – prática mais usual, diante das iniciativas praticadas pelo indivíduo – e em caso último, eternizando-o no hall dos notáveis. Algo é claro, reservado aos que alcançam os patamares mais elevados da hierarquia da nação e sobreviventes à onerosa espera que isso implica, combinada com uma prática virtuosa segundo os doutrinários conhecidos da Política.
A Memória histórica enquanto legado é o sustentáculo da meritocracia que entendemos por Micronacionalidade, e nesse cenário constitui um instrumento de poder mais eficaz que o mando, pois seus efeitos não cessam com o fim do exercício de cargo e a própria vivência do meritocrata é transformada em prática aceitável. Torná-la, portanto, nos modelos doutrinários dos mecanismos de catequese é o objetivo último do micronacionalista identificado com a prática meritocrática.
A historiografia micropatriológica ainda aspira por dar seus passos iniciais fora da tradição narrativo-descritiva, mas as transformações recentes que se manifestam sobre a questão do esvaziamento da autoridade e o exercício do poderão sugerir ao micropatriólogo – e no historiador – o aparecimento de novos problemas e o aperfeiçoamento da Micronacionalidade.
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El neuvo paradigma micronacional
Revista Avant-Garde
EL NUEVO PARADIGMA MICRONACIONAL.
Maurício Villacrez
El ser humano se caracteriza a lo largo de su historia por su anhelo de trascendencia. Primero, con la aparición de la conciencia y del reconocimiento de la existencia de otras conciencias, buscó trascender su soledad psíquica en la conformación de un colectivo. Luego, auxiliado por ese colectivo, buscó trascender sus propias fuerzas coordinando esfuerzos y así dominar a la naturaleza. Pero estos intentos de trascendencia física habrían de tener su contraparte metafísica en los sistema mágico-religiosos y en las explicaciones míticas hasta llegar a los debates filosóficos y científicos.
Muchas veces la comprensión ampliada conseguida no se materializó en alguna mejora tangible de la realidad sin que por ello faltasen voluntarios dispuestos a sacrificarse por ella. ¿Por qué lo hacían? Sospecho que una buena razón de ello se debe a la satisfacción parcial de ese deseo de trascendencia. Quizás, recordando a Newton, poder decir “¡Eureka!” nos brinda un sentimiento de satisfacción y de realización personal cuando vemos “sobre los hombros de gigantes”.
Volvamos a nuestra realidad micronacional. ¿Por qué tanto desaliento? ¿Cómo llegamos al pesimismo que enarbola el mito de Sísifo como bandera propia? Sugiero que la semilla de ese mal reside en nuestro paradigma vigente.
No voy a tratar aquí las múñtiples clasificaciones que la incipiente ciencia micropatriológica ha desarrollado sino que intentaré dar un paso más hacia atrás para discutir uno de los principios metafísicos que rigen nuestro hobby.
Los distintos estilos de práctica micronacional lusófonos son en esencia reactivos pues consisten en “recrear” y no en tratar de innovar. Me explico: surgen en función de la importación directa de ideologías y prácticas (consagradas o no) extramicronacionalmente.
¿Eso qué puede importar? Podría replicarse que eso no limita la originalidad de nuestra praxis al no impedir la adaptación del material importado a nuestra realidad. Reflexionemos.En primer lugar, los casos de “adaptación” son pocos y poco relevantes en importancia. Generalmente consisten en intercambiar jerga extramicronacional por jerga micronacional. En los casos más atrevidos de experimentación sólo se han reformado pequeños detalles para hacer viables de algún modo las teorías vigentes o propuestas en el “macromundo”.
En segundo lugar, ello no refuta el argumento de que el flujo de influencia y copia es exclusivamente de lo extramicronacional a lo micronacional; es decir, un flujo unidireccional de ideas. Somos una colonia de los think-tanks extramicronacionales por nuestro conservadurismo que se manifiesta en una provinciana estrechez de miras y en la poca (si no nula) importancia que se le presta a la actividad innovadora. Somos copiones geniales, tibios reformadores en algunos casos puntuales a lo más, pero esencialmente idólatras de los paradigmas importados que nos sirven de patrón para medirnos.
¡Declaro que eso debe acabar! Debemos dejar de ser colonia intelectual en la periferia de las metrópolis del cuestionamiento para convertirnos en una nueva metrópoli, con perfil propio y aportes que presentar. No planteo revertir el flujo de ideas sino hacerlo bidireccional: recibir influencias para también influenciar la realidad extramicronacional.
Para eso debemos de tener algo diferente que decir; pero antes tenemos que innovar y para ello antes debemos cambiar nuestra actitud reactiva que nos lleva a recibir pasivamente lo que viene de “afuera” por una actitud proactiva respaldada por instituciones que incentiven intramicronacionalmente la innovación. Ello exigirá un esfuerzo constante de al menos un número crítico de los practicantes de nuestro hobby dentro de cada micronación, una reforma radical en las instituciones vigentes y una nueva preocupación por la selección, capacitación y preservación de nuestros recursos humanos. Es decir, una revolución pacífica para garantizarnos la satisfacción que nos falta actualmente fundamentada en la trascendencia del momento actual (abriendo caminos nuevos más allá de la praxis actual de nuestro hobby) a la vez que nos proyectamos simultáneamente fuera del “micromundo” influenciándolo en distintas áreas y con distinta intensidad.
Es entonces cuando recuerdo la propuesta de establecer una “Gymkhana Solidaria” en Pasárgada y pienso en las posibilidades intelectuales y sociales que aguardan el momento en que nos decidamos explorarlas.
Otra pregunta pertinente es ¿qué lugar deben ocupar las identidades y tradiciones culturales extramicronacionales en nuestro hobby? El paradigma actual los ensalza como referentes hasta el punto que su idolatría los eleva a la categoría de patrón absoluto según el cuál medir nuestra praxis. Ejemplo de ello son la búsqueda del “statehood” político o el “modelismo” cultural que no buscan aportar nada nuevo sino recrear formas preexistentes. En resumen: lo extramicronacional es el debe ser que no puede ser superado. Incluso las corrientes que tratan de superar el statu quo vigente son la contraparte de ideologías similares extramicronacionales. Nada nuevo bajo el sol.
En mi opinión esto es un desperdicio de las posibilidades del micronacionalismo vía internet. Pudiendo contactarnos con gentes de todo el mundo, conocer todo tipo de culturas y agregando personas con un buen nivel educativo es una ironía que no aprovechemos este capital humano y esa flexibilidad tecnológica para tratar de innovar y aportar algo distinto. Ése es el micronacionalismo apéndice que depende totalmente de una estructura mayor, no aporta nada y puede ser extirpado sin mayores pérdidas para la humanidad. Es decir, un micronacionalismo que no genera un valor intrínseco para el individuo y el colectivo y que los trascienda a ambos influyendo en otras colectividades.
Es irónico que el hombre haya luchado por tantos siglos para tener un espacio libre donde exponer sus ideas sin temor, donde cuestionar y donde poner en práctica sus proyectos y que nosotros teniendo a disposición ese espacio virtualmente en el ciberespacio prefiramos replicarlo todo sin más. Eso dice mucho de nosotros y de la ley del mínimo esfuerzo. O tal vez deja al descubierto que en realidad buscamos satisfacer necesidades más básicas que concentran toda nuestra atención en formar aliados y en pelearnos o en desfogarnos empleando las listas de debate como válvula de escape a todo lo que ocultamos a diario porque aquí no tenemos que dar la cara.
Volviendo a nuestro tema, habría que ver como se han construido identidades híbridas pues yo no propongo “reinventar la rueda” sino aprovechar las tradiciones de cada uno e integrar lo mejor que cada pueblo tiene en la conformación de una identidad universalizante (aceptable para todos nuestros miembros) en última instancia globalizada y que realmente permita integrar a nuestras poblaciones. El caso que mejor conozco sobre poblaciones que han tenido que tratar de establecer una unidad en una diversidad de tradiciones es Latinoamérica. En ella, generalmente, el éxito en esta empresa ha sido bastante modesto: por lo general se limita a yuxtaponer una tradición sobre la otra presumiendo una integración muchas veces inexistente. Este no es un modelo ha seguir: las divisiones internas en nuestros pueblos que traban la solidaridad e impiden la consolidación de nuestras naciones son un peligro a ser evitado.
Sin embargo algunos experimentos individuales deben ser valorados ya que buscaron y presentaron su propia opción de síntesis sin recibir apoyo del Estado y sin lograr imponerse a pesar de su calidad y la determinación de sus propugnadores. Me refiero a los intelectuales que hablaron de crear un “neo-(nacional-x)”: artistas que trataron de aprovechar los diseños precolombinos con técnicas modernas (sin caer en el indigenismo) o que propusieron asimilar la bueno de la influencia occidental sin comprar todo el paquete. Cada país tiene el suyo. Por lo menos conozco casos en Perú y
Brasil.
Japón también es un buen referente al conseguir conciliar su proceso de modernización con la preservación de su cultura nativa. Nosotros enfrentamos el desafío de que muchas veces no existe tal cultura nativa. Esa se muestra, a mi parecer, como una debilidad terrible para la mayoría de micronaciones. La solución facilista de asumir una cultura extramicronacional no soluciona nada pues si bien puede atraer algunos miembros también puede alienar a otros. Una micronación debe desarrollar una cultura propia que apele a todos sus ciudadanos porque esa es la función de las culturas vivas: integrar a los miembros de la comunidad que la comparte como acervo común. La concepción de “obra colectiva” en lo político de mi amigo Bruno Cava se complementada con la mía de “apelo colectivo” en lo cultural.
Este apelo es efectivo en función de que realmente llame la atención de todos sobre cuestiones que interesen a todos los miembros y que involucre a todos los miembros. Generalmente la cultura articula la acción colectiva (la única fuerza capaz, cuando lo es, de resolver los desafíos ambientales que superan el poder del hacer individual) encausándola en la solución de problemas críticos porque su no corrección afectaría la convivencia y la perpetuación de la vida en sociedad y la acción individual según las formas establecidas. Profundizaré en mi siguiente artículo sobre este tema.
Siendo sinceros, pocas personas tienen el nivel de creatividad y constancia para desarrollar una cultura realmente atractiva. Y aún menos consiguen que sea original. El motivo es muy simple: trasladar concepciones de estructura del Estado o el formato de leyes de lo extramicronacional al micromundo es prácticamente un “copy – paste” elemental. Una cultura responde a necesidades y aspiraciones, a constricciones en el espacio-tiempo que llevan a establecer patrones de creencia que incentivan las conductas que se cree favorecen la consecución de las metas que se consideran más valiosas en ese universo ideal compartido; tanto así, que ameritan trascender su evaluación en cada ocasión. Establecemos de una vez y “para siempre” que esto es lo mejor, esta es nuestra pequeña roca y alrededor de ella girarán nuestras selecciones cotidianas que la tendrán por referente.
Tenemos en ese sentido, sí, culturas políticas con proyectos nacionales (un ideal de libertad, por ejemplo, no tiene porqué trabar la “creación colectiva”) pero, en un mundo sumido en la “crisis de la ideologías” (que también se ha constituido en otra ideología), es necesario apelar adicionalmente al hombre en su integridad, en su totalidad que excede al mero “homo politicus”. Esta es la materia pendiente de la mayoría de micronaciones.
La importancia de la cultura como agregadora sólo es adecuadamente ponderada cuando se comprende que es la fuerza centrípeta que compensa a la política como fuerza centrífuga. La política divide y trata de conciliar a las facciones. La cultura une y trata de evitar la aparición de facciones. Una cultura muy fuerte podría desincentivar el pluralismo, el cuestionamiento y en última instancia la innovación; pero una política sin contrapeso es causa segura de divisiones internas, ha enrarecido el clima de las comunidades y fomentado las guerras civiles y separatismos que hemos visto en la Lusofonía. Porque aquí no se pueden aducir que las secesiones se debieron a cuestiones étnicas, religiosas o culturales: las diversas causas ocultas han oscilado entre la ambición, la soberbia y el consabido odio ideológico.
De allí que todas las sociedades hayan creado cultura espontáneamente para compensar las desavenencias internas disgregadoras del cuerpo social y establecer canales de deshago de la tensión y de diálogo entre las partes. Los hombres debido a sus diferencias naturales, adquiridas o de intereses siempre entrarán en conflictos que no necesariamente tiene porqué llevar a la violencia. Justamente por esos desequilibrios endógenos a la vida en sociedad surge el Derecho como respuesta a esta situación normal y recurrente. El Derecho como instrumento para obtener o favorecer las condiciones de justicia. Normas que dan por sentado una jerarquía compartida de valores compartidos.
Tal es el poder actual de la cultura en nuestras naciones y su potencial inexplorado para la consolidación de nuestras micronaciones. Espero que este artículo llame la atención especialmente de los nuevos micronacionalistas para que empleen sus energías aún intactas desempeñándose como “culturistas” completando el trabajo que sus predecesores “politicistas” no afrontaron directamente. Que sepan que existe un mundo nuevo más allá de los debates y los discursos partidistas.
Algunas preguntas finales para la reflexión: ¿Tenemos valores en común?, ¿tenemos claro una meta común?, ¿tenemos alguna propuesta de lo que queremos ser como individuos y como comunidad? La cultura sirve para orientar e integrar y eso es algo que deben tener siempre presente los hacedores de cultura del micromundo.
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Portal em Estudos Micropatriológicos, 30 de Outubro de 2006.
O CONTRATO SOCIAL E A POLIS VIRTUAL.
Filipe Sales
As primeiras considerações jurídicas a se fazer sobre o curso de uma sociedade micronacional partem, necessariamente, da sociologia que é própria do relacionamento entre micronacionalistas no meio virtual. Embora a maior parte da sociologia moderna seja aplicada, de forma íntegra, ao comportamento dos homens no ambiente virtual da internet que escolhemos como palco de atuação do micronacionalismo, é necessário apontar uma característica fundamental e peculiar de nossa atuação neste meio: a distancia real que interiorizamos ao lidar com os demais presentes nesta atividade.
Ainda que o contato diário, por vezes quase permanente, seja real e eficaz, a distância espacial e real com a qual lidamos constantemente acaba por ocasionar um enfraquecimento de nossas responsabilidades enquanto sustentadores do mínimo de civilidade presente no micronacionalismo.
Não é por acaso que as sociedades lusófonas vivem, permanentemente, em pleno conflito entre seus participantes. Diferente das sociedades anglófonas, em que, na maioria das vezes, o contato é mais real do que virtual, nas micronações do bloco lingüístico português, o contato é quase totalmente virtual.
O resultado evidente, baseado na mais simples das análises, é a distância do tratamento e, como conseqüência, o baixo senso de dever moral em tratar com os demais da forma que, moralmente, seriamos obrigados a tratar.
E, neste aspecto, a teoria do Estado de Natureza, em primeiro lugar aplicada por Thomas Hobbes, em sua obra O Leviatã (Paris, 1651), encontra-se mais presente no micronacionalismo. Aqui, em sociedades cujo objetivo principal é a simulação política e cultural de um Estado e um povo, e onde o contato principal, quase absoluto, se realiza por meio da internet, os governos tem pouca eficiência em manter a ordem, de forma que, ocupando este vácuo, o homem se lança em sua tarefa mais primitiva: a busca pessoal por seus próprios benefícios e por poder e sua ampliação, ainda que restritos a uma simulação.
E isso permeia o aspecto principal da atuação particular de cada um no micronacionalismo. Inicialmente, é visível o fato de que todos que chegam ao micronacionalismo, assim o fazem em busca de experiências pessoais, na maioria das vezes baseadas na elevação do próprio ego. Quando não assim, integram-se a esta atividade em busca de realizações pessoais que possam, intelectualmente, o engrandecer.
Qual seja a ambição pessoal de cada um dos participantes deste hobby, fato é que todos se baseiam em uma busca pessoal, privada. Trata-se, portanto, de uma atuação individual, por mais que ela seja experimentada em uma micro-sociedade. Diferente da vida pessoal de cada um de nós, extra-micronacionalmente, aqui nossa atuação é bastante direcionada à objetivos políticos, intelectuais, ou simplesmente egocêntricos, de forma que não nos cabe a analogia de uma jangada solta em alto mar, à deriva e sem direção. Ao contrário, temos constantemente presente o direcionamento de nossas vontades e realizações. Todavia, é justamente a presença quase total do Estado de Natureza, descrito por Hobbes, que dificulta que a sociedade, enquanto conjunto de todos estes indivíduos, tome um caminho reto e firme.
Esta peculiaridade, ainda mais evidente no micronacionalismo do que em nossa esfera de relacionamento real, físico, decorre da simples impossibilidade dos governos virtuais aplicarem de forma eficiente a “governabilidade da manutenção da ordem”. Ainda que exista, precariamente, um senso de obediência aos poderes constituídos dentro de cada micro-Estado, não há qualquer mecanismo que possa coagir aqueles que, sendo contrariados seus projetos particulares, abandonem a submissão ao Estado para defenderem, pessoalmente, sua própria ambição.
O melhor exemplo da ineficácia dos governos micronacionais em manter a ordem em suas sociedade é a apelação à justiça privada que, senão todos, parcela significativa do micronacionalismo, tomam como direito sagrado, quando sua honra é, de qualquer forma, agredida em público. Os embates permanentes nas praças públicas das micronações lusófonas são maior evidência de que o direito micronacional, desenvolvido com qualidade considerável em boa parte dos micro-Estados, ainda carece de elemento fundamental para que possa manter a estabilidade necessária a sua eficiência: a coerção.
Objeto de estudo de diversos projetos do micronacionalismo, a coerção parte, na concepção de todos eles, como ponto fundamental e Santo Graal do micronacionalismo. Necessária para a efetivação da imposição do poder dentro das sociedades micronacionais, a coerção é considerada, ainda hoje, o único meio real para a preservação da ordem, impondo-se, à força, normas legais previamente estabelecidas com o fim de criar estabilidade necessária para que a classe produtiva possa atingir seu ápice enquanto líderes do processo de desenvolvimento real.
Em meados do primeiro semestre do ano de 2004, a Fundação Pablo Castañeda, na extinta república marajoara, reunido diversos pensadores do micronacionalismo, trataram de forma lúcida, ainda que superficial, da necessidade de meios de coerção mais eficazes para que os governos, em plena possibilidade de atuação, possam cumprir os fins a que são destinados legalmente.
Tanto os debates presentes na Fundação Pablo Castañeda quanto aqueles paralelos ao evento lançaram a óbvia conclusão de que, em verdade, a similaridade com o conto de Sísifo (publicado à ARN), narrado de forma impecável pelo reunião D. Filipe Oliveira, o lorde Menezes Carreirão, aplica-se as nossas micro-sociedades não porque elas estão ausentes de condução, mas sim porque, a união das dezenas de vontades paralelas, soberanas dentro da possibilidade de atuação de cada indivíduo, impede de qualquer ação administrativa cuja eficácia dependa da unidade política de uma micro-sociedade, seja bem sucedida.
Mais tarde, durante o outono do ano de 2006, eu e o marajoara Bruno Crasnek, em debate direcionado a questão, tratamos de forma mais intensa a questão, nascida inicialmente a partir da idéia de que o micronacionalismo baseava-se num contrato social implícito, de forma semelhante ao tratado por Thomas Hobbes três séculos e meio antes. Neste encontro, a questão abordada transbordou a esfera da mera análise sobre os meios de coerção – já que praticamente inexistentes – e entrou em outros campos: possibilidades alternativas de manutenção da ordem.
Neste momento surge o estudo sobre o que nos prende ao micronacionalismo: o contrato social. Ainda que duramente criticada por pensadores posteriores ao século XVII, a idéia de que as sociedades são baseadas, antes de tudo, em um acordo principiológico encontra braços abertos no micronacionalismo, pela própria natureza impessoal com que seus participantes tratam uns aos outros.
Resultando do distanciamento físico e pessoal e, com isso, da ausência do compromisso pela manutenção de um bom relacionamento com seus pares, os micronacionalistas acabam por respeitar, de forma genuína, apenas preceitos fundamentais da prática. No fim, a soberania existe apenas sobre regras tão basilares quanto o próprio desejo de engrandecimento pessoal. Ao início deste ano, com o início dos trabalhos para a confecção do novo sítio reunião, D. Bruno Cava, o lorde Conservatória, chamou estes preceitos fundamentais de Cânones.
Pilares das sociedades micronacionais, estes cânones são, em verdade, apenas cláusulas de pactos sólidos, fechados e peculiares – embora com parcas diferenças – a cada micronação. São os Pactos Sociais que cada micronação estabelece, informalmente, inconscientemente e tacitamente, cada vez que um novo indivíduo escolhe por participar de uma destas sociedades.
Em Reunião este pacto é visível: está concentrado na essência da micronação. Cada vez que um novo súdito de Sua Majestade ingressa e se torna reunião, ele assume, integralmente, a existência do poder absoluto do imperador sobre todas as esferas do Estado e da sociedade, e que, ainda que Suas decisões possam ser discutidas, não podem ter legitimidade argüida. Assim, é possível que, exatamente pelo poder moral que o imperador reunião possui sobre a micronação, originário do Pacto, o Império seja, talvez, uma das únicas micronações lusófonas a possuir um ente que absorva alguma característica de soberania sobre sua sociedade, mantendo em si o poder sobre algum tipo de coerção, ainda que moral.
Portanto, em não havendo meios reais de coerção do Estado sobre aqueles a ele subordinado, a única possibilidade que visualizo, hoje, seja a intensa valorização de um pacto social para que, ainda que ausente de meios concretos de imposição da lei, uma micronação possua possibilidades de imposição de um código moral basilar – o primeiro estágio para o desenvolvimento, ainda que futuro, de uma cultura de submissão integral ao Estado virtual.
O Contrato Social é, então, a “caverna de Platão” para a retomada de um processo de desenvolvimento. Esgotados os modelos bem sucedidos de uma primeira Era do micronacionalismo lusófona (1997-2000), cumpre agora encontrarmos novas formas de engregar, novamente, a lusofonia à simulação da vida política e intelectual de um indivíduo neste meio, e oferecendo novamente possibilidade à criação e à obra micronacional concreta.
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The Reunion Times – Ano 1 – Número 1 – 19 de Outubro de 2006
AUSÊNCIA E INATIVIDADE: CONCEITOS DISTINTOS.
Filipe Sales
O micronacionalismo, ao longo de seus anos de existência, manteve uma vasta busca por soluções que nos abriguem da fragilidade e instabilidade inerente à qualquer atividade baseada na Internet e no voluntarismo. Diferente do que pregam a maioria dos grandes teóricos da Lusofonia, a idéia deste autor sobre o que nos diferencia de países juridicamente reais é que nos afastamos por estarmos sob um ambiente de voluntarismo.
Chegando à uma análise mais profunda e sincera, é óbvio que podemos chegar à conclusão de que não há qualquer obrigação decorrente de dever legal para qualquer participação dentro desta prática. Estamos, verdadeiramente, à mercê da sorte para com aqueles entre nós, pois um mero contra-tempo na vida pessoal de qualquer dos presentes na Lusofonia é motivo o suficiente para que esta simulação seja relegada à possibilidades futuras de retorno.
A inatividade, então, é o maior dos problemas que rodeiam o dia-a-dia do Estado virtual. Num ambiente onde a produção político-cultural é o fim último de todo sentido, a participação dos poucos que fazem parte deste sistema é o maior recurso existente, podendo ser comparado ao valor que as reservas financeiras possuem para os Estados juridicamente reais.
A fisiologia de uma micronação remete às primeiras noções de uma Associação, segundo as leis civis do mundo Ocidental moderno. Os Estados virtuais, da mesma forma que as associações, são organizações de pessoas reunidas intencionalmente ao redor de um objetivo único sem fins econômicos. O problema que aflige as associações é, pois, o mesmo que atinge as micronações: a escassez de recursos humanos.
Mas, diferente das associações, nos Estados virtuais, a inatividade de seus membros causa um problema ainda maior: a incerteza da legítima participação quando da aproximação de pleitos públicos. O caráter democrático das micronações acaba por ser sua maior fraqueza diante do desaparecimento de alguns e o reaparecimento às vésperas de eleições.
Mas o que é, em termos exatos, inatividade? É possível medi-la? A resposta à esta pergunta satisfaz apenas às necessidades mais imediatas dos Estados virtuais em relação à um problema que afeta também a legitimidade de seus pleitos públicos realizados.
Não há forma matemática de se medir a inatividade. Esta se caracteriza pela ausência de participação de determinada pessoa por um período considerável de tempo. Imagina-se que a participação de alguém pouco atento aos acontecimentos dentro de seu país virtual ronde em torno de algumas colocações por mês.
Destarte, podemos considerar a “atividade” como sendo a participação direta de alguém sobre os assuntos da polis virtual, enquanto a inatividade a ausência desta participação. Atividade não é, portanto, a simples postagem de mensagens. Atividade é a disponibilidade e participação do indivíduo nos assuntos públicos do Estado virtual. É sua colaboração. Do lado oposto, inatividade seria a inércia de alguém diante dos assuntos relacionados a uma micronação.Porque, ainda que se expresse, se não age, estaria inativo diante do micro-Estado.
Dissocia-se, portanto, em definitivo, inatividade de ausência. Enquanto o primeiro relaciona-se com a inércia do indivíduo diante dos assuntos inerentes a micronação, em sua esfera pública ou privada, o segundo refere-se a indisponibilidade de alguém para o meio micronacional, na maior parte do tempo, em razão de problemas pessoais ou de falta de acesso à Internet.
Nota-se a primeira observação do caráter peculiar da inatividade. Esta não se trata do desaparecimento do cidadão micronacional. Se trata, tão somente, de sua abstenção no tocante à movimentação política, social ou cultural. A inatividade não se trata, pois, de uma questão solucionável; é reflexo da liberdade de expressão do indivíduo contido dentro do ambiente virtual das micronações. Acompanhado de sua possibilidade de manifestação, vem a prerrogativa de que detém de optar pelo silêncio, pela mera observação. E, quanto à isto, o Estado não pode tomar ações.
A manifesta diferença entre a inatividade de um indivíduo e seu desaparecimento toma forma quando percebemos a existência de pessoas que se manifestam, prontamente, quando lhe são requisitadas, de forma que se torna perfeitamente possível de se provar que estão presentes, atentos, mas simplesmente escolheram pelo silêncio diante da produção político-cultural, o que lhes deve ser assegurado, pois sua contribuição pode ser, ainda que de forma não verbal, suficiente para que o Estado virtual possa ter melhores possibilidades de desenvolvimento.
Percebe-se que todo ausente é inativo, mas não é todo inativo que é ausente.
Ademais, a presença indelével de indivíduos que, permanente ou esporadicamente, se retiram para o status da observação, torna a questão da Inatividade uma situação inerente à própria prática do micronacionalismo, que nos acompanha desde a fundação das primeiras formas de Estado virtual, no apagar das luzes do século XX.
A noção, então, de que a inatividade seja prejudicial ao ambiente micronacionalismo é ilusória, pois a verdadeira patologia não se trata daquela, mas sim do desaparecimento do cidadão micronacional, de sua Ausência.
Finalmente, a impossibilidade do Estado virtual em agir no sentido de obrigar o inativo a permanecer mais presente à atividade da comunidade, sem que crie o ambiente propício à sua retirada, é prova contundente de que a ação neste sentido deve ser evitada e, ao contrário, valorizada como saída à necessidade brusca que alguns possuem de se retirar deste pequeno mundo em razão de problemas de ordem pessoal. É, pois, uma solução, e não um problema.
Obviamente, é mais interessante que alguém se retire temporariamente para a inatividade do que se torne, permanentemente, ausente de toda a sociedade.
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