Poder no micronacionalismo
Revista de Estudos em Micropatriologia – Ano 0 – Número 1 – Janeiro de 2006
PODER NO MICRONACIONALISMO.
Carlos Góes*
Poder é sem dúvida um conceito essencial ao estudo das relações internacionais e o mesmo é também válido para as relações intermicronacionais. Todavia, antes de adentrarmos o arcabouço da fenomenologia intermicronacional, cabe entendermos, em um sentido mais amplo, qual é a conceituação de poder. Vejamos algumas visões sobre este tão peculiar verbete.
Segundo Mário Stoppino,
em seu significado mais geral, a palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos como a objetos ou a fenômenos naturais (como nas expressões Poder calorífico ou Poder de absorção).[1]
Já para um escritor britânico, poder é “the ability to make people (or things) do what they would not otherwise have done”[2], enquanto Morgenthau afirma que
O poder pode abarcar tudo que estabeleça e mantenha o controle do homem sobre o homem. Assim, o poder engloba todos os relacionamentos sociais que se prestam a tal fim, desde a violência física até os mais sutis laços psicológicos mediante os quais a mente de um ser controla uma outra.[3]
Em uma análise mais recente, Joseph Nye coloca que “em termos simples, é a capacidade de obter os resultados desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos outros para obtê-lo” [4]. É, portanto, difuso e complexo o entendimento do conceito de poder.
Todavia, considerando as colocações acima relacionadas – entre outras aqui não explicitadas – e movendo-nos no sentido da análise que utilizaremos, veremos que, grosso modo, poder é a capacidade de um ator agir e, desse modo, subjugar outro à sua vontade, independentemente dos meios utilizados para atingir este fim. Nesse sentido, o poder pode emanar, p.ex., de uma posição hierárquica diferenciada – como a de um General em relação ao Major -, de uma atribuição física – como a força de um indivíduo faz com que os outros o temam -, de uma diferença tecnológica – como a possessão de uma arma de fogo por alguém, em relação a outrem desarmado ou de inúmeros outros fatores.
Lançada a conceituação em um sentindo mais amplo e abrangente, devemos partir para a análise do papel e do que seriam elementos de poder no Cenário Intermicronacional.
Relatividade do Poder Micronacional
Como já afirmado, a posição dos Estados Micronacionais diferem substancialmente dos seus pares macronacionais no que se refere à interdependência. Todavia, para que se estabeleça uma verdadeira relação de poder entre dois atores, é necessário que ambos estejam inseridos no sistema intermicronacional. Ou seja, não obstante não seja imperativo, para os Estados Micronacionais, que estes relacionem-se com outros Estados ou com entidades não-estatais estrangeiras, é impossível que este tenha poder no Cenário Intermicronacional sem o fazê-lo.
A razão primaz para esta cena é que não há poder sem que haja uma base comparativa para o mesmo. Um estado, indivíduo ou grupo só se tornam poderosos porque se comparam com seus similares correspondentes. Se um Estado é Dominante por possuir coeficiente de poder x enquanto todos os seus oponentes possuem x/2, ele não o será se o acumulado de seus oponentes passar a ser de 2x. Nesse sentido, podemos concluir que o poder é essencialmente relativo. [5] Em outras palavras, como diria Waltz, “power is measured comparing the capacity of determined number of units” [6] (ou atores).
Elementos Constituintes do Poder Micronacional
No caráter de singularidade do Cenário Intermicronacional, podemos traçar três elementos constituintes do Poder Micronacional, sendo eles hierarquizados e aplicáveis a todos os atores intermicronacionais. O Poder Micronacional é constituído basicamente de três elementos fundamentais: o Recurso Humano, a Capacidade de Cooptação e o Capital Externo. Trataremos também o caso sui generis do poder econômico dentro do cenário intermicronacional.
Recurso Humano
Existe, no Estado Micronacional – bem como em qualquer entidade micronacional – uma preponderância dos indivíduos que a compõem, em detrimento dos outros elementos. Nesse sentido, pode-se inferir que o Recurso Humano de uma entidade é, também, o elemento fundamental do Poder Micronacional. O potencial de poder de, p.ex., uma micronação, depende de seu Elemento Humano Associado, da capacidade inovativa, realizacional ou intelectual que os indivíduos que a compõe dispõem.
Capacidade de Cooptação
A Capacidade de Cooptação é o segundo elemento na hierarquia de um ator intermicronacional. Ela se assimila muito à visão de soft power expressa por Joseph Nye em seu Bound to Lead [7]. Uma vez que inexiste o poder bruto, no micromundo – afora, talvez, os grupos terroristas transmicronacionais, que perpetram ataques hacker -, inclusive pela posição inferior do da economia micronacional em relação à macronacional, o pêndulo de poder afaste-se do poder de dissuasão ao poder de cooptação. O poder de dissuasão pode ser entendido como “a capacidade de fazer com que os outros façam o que você quer” [8], enquanto o poder de cooptação significa “a capacidade de fazer com que os outros queiram o que você quer” [9]. Inexistindo os instrumentos necessários para ser possível, por meio da força, coagir um atora mudar seu posicionamento, resta o outro extremo do espectro.
Alimentam a Capacidade de Cooptação o prestígio, a influência que uma entidade tem nas mentes de outros, no sentido que os estes desejem ser como aqueles, e, por isso passem a almejar coisas similares que os primeiros possuem ou desejam possuir. Podem ser alimentadores da capacidade de cooptação o sucesso de uma micronação, representado, p.ex., pelo número de referências que a mídia macronacional já fez a ela, pelo número de cidadãos ativos desta nação ou, ainda, pelo renome que seus cidadãos (ou Chefe-de-Estado) possuem junto ao conjunto da Sociedade Civil Intermicronacional.
Capital Externo
O Capital Externo está na hierarquia inferior do Poder Micronacional pelo fato de não ser determinante na construção de um ente micronacional. Entretanto, se existente, o Capital Externo possui papel efetivo e influenciador para as práticas do micronacionalismo.
Consiste Capital Externo todo recurso financeiro disponível ao conjunto formador do ator intermicronacional para que ele possa realizar e impulsionar suas atividades micronacionais. O Capital Externo pode ser utilizado, inter alia, para arcar com os custos do domínio e hospedagem do sítio de uma micronação ou jornal, ou para pagar propagandas em sítios macronacionais, objetivando atrair mais interessados para sua entidade.
Em vista disso, o Capital Externo se torna muito mais um elemento impulsionador dos outros elementos do Poder Micronacional, uma vez que, a simples existência de Capital Externo – e mesmo sua aplicação – não se traduzem, necessariamente, em poder. Todavia, ele pode ser um recurso diferencial, que capacite entes micronacionais a um potencial de acúmulo de poder substancialmente maior do que seus pares.
Poder Econômico Micronacional
Como já afirmado, este caso é sui generis. A explicação para a especificidade deste caso é o fato dele ser, por um lado, teoricamente possível e plausível, e, por outro, não se refletir na realidade do cenário intermicronacional.
Não obstante seja evidente a aplicabilidade de sistemas econômicos em micronações – excluindo-se aqui análises sobre as vantagens ou perdas deste ser ou não implantado -, estes sistemas econômico-monetários circunscrevem-se, em geral, nos limites do Estado específico. Nesse sentido, é inexistente um sistema econômico-financeiro intermicronacional.
Alguns pontos a se considerar são: 1) diferentemente da macrorealidade, as trocas comerciais inexistem no micromundo; 2) como existe a possibilidade de autosuficiência funcional, a interdependência entre os microestados pode ser nula; 3) não tendo o “capitalismo micronacional” alcançado nem mesmo um estágio primário do capitalismo mercantil, a idéia de um sistema financeiro, com fluxos de capitais e integrações, se torna ainda mais distante.
Por outro lado, considerando-se a microrealidade um reflexo de seu par macronacional, em tese, já existiria a idéia possível do poder econômico, inerente à análise sistêmica. Existe uma experiência recente, de uma integração entre a Reppubblica de Siena, o Principado de Sofia e o Alto Reino (atual Império Alemão) criando um princípio de integração econômica, inclusive com variações cambiais. Em vista disto, surgiria um embrião para um sistema econômico-financeiro intermicronacional – muito embora fosse de adesão espontânea e deixasse a possibilidade de alguns Estados não adentrarem-no – onde, dentre os membros daquele sistema, apareceria, teoricamente, a possibilidade de gerar diferenças entre econômicas seus membros. Nesse sentido, considerando o princípio da relatividade do poder, a partir do momento em que aparecessem diferenças econômicas, surgiria o poder.
Entretanto, todos esses fatos são demasiadamente recentes para uma análise empírico-científica correta e válida. Outrossim, é ainda extremamente complexa a tarefa de uma análise do Poder Econômico Micronacional real. Isto talvez seja explicado pela proximidade dos acontecimentos já passados – por sua falha inicial – e pelo fato de que o mosaico do que pode vir a ser um sistema econômico-financeiro intermicronacional estar ainda em formação, movendo diariamente as peças coloridas que o compõe. Por outra parte, é importante que deixemos aberta em nossas mentes a possibilidade teórica para a configuração de um Poder Econômico Micronacional ainda que este não seja hoje inteligível. Tanto otimismo quanto ceticismo criam desvios, distorcendo, por isso, o pensamento empírico.
Encerramento
Este ensaio não objetiva finalizar o estudo sobre o poder micronacional. Porém, é importante iniciar o debate científico neste assunto e criar uma tese primária sobre a matéria. Este artigo tem como objetivo mostrar que o poder é inerente as relações intermicronacionais pos, como supracitado, enquanto as relações entre os atores intermicronacionais existirem, haverão diferenças entre eles. Não obstante, o estudo sobre o poder nas relações intermicronacionais é pouco desenvolvido, o que é, certamente, prejudicial para o avanço deste campo de estudo. Outrossim, eu exorto outros escolásticos a iniciar um debate virtuoso sobre o poder micronacional, concordem eles ou não com as idéias que expuz neste artigo.
Notas
[1] Stoppino, Mário. Poder. In: Bobbio, Norberto et al. Dicionário de Política, Volume 2. p. 933.
[2] Allison, Lincoln. Power. In: McLean, Iain; McMillan, Allistair. Oxford Concise Dictionary of Politics. p. 431.
[3] Morgenthau, Hans. Política entre as Nações. Brasília: Ed. UnB, 2004. p. 18.
[4] Nye, Joseph. O Paradoxo do Poder Americano. São Paulo: Ed. Unesp, 1ª Edição, 2002. p. 30.
[5] Cf. Stoppino, Mário. Op Cite.
[6] Waltz, Kenneth. Theory of International Politics. Nova Iorque: McGraw-Hill Inc., 1979. p. 9.
[7] Nye, Joseph. Bound to Lead.
[8] Nye, Joseph. Op. Cit.
[9] Ibidem.
*Carlos Góes, 19, é editor da Revista de Estudos em Micropatriologia, e colunista dos periódicos Tribuna Popular, o Cordel e O Cometa. Diplomata de carreira, exerce, com o título de Embaixador, a Secretaria-Geral das Relações Exteriores do Sacro Império de Reunião. Parlamentar, é Presidente do Egrégio Conselho Imperial de Estado.
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