O Socioculturalista #10

20Ago07

Editorial

Há esperança para o micronacionalismo?
Essa pergunta nos faz refletir profundamente. Quando pela primeira vez a mesma micronação cruza a barreira dos dez anos – uma vez que a Porto Claro de Aguiar encerrou suas atividades exatamente em seu décimo aniversário – perguntamo-nos se há esperança para o resurgimento do micronacionalismo. Pessoalmente, responderia: para o micronacionalismo que funciona do modo em que conhecemos, não.Se insistirmos no velho, seremos uma analogia a um antigo conhecido dos primórdios da Internet: o IRC. Este último, hoje se restringe a poucos #canais, um pequeno grupo em poucos servidores. Não é isso que vemos? Um grupo que aqui está há muito tempo cada vez a se concentrar em um número menor de micronações. Como defendo, nossa prática deve se adaptar aos novos tempos: às novas tecnologias e ao amadurecimento da concepção do ser micronacional.

Outrora eu mesmo disse: o micronacionalismo morreu. Mantenho: o [velho] micronacionalismo morreu.

Vamos conseguir fazer a transição? Esta pergunta é muito mais difícil de ser respondida que a primeira. Tudo dependerá dos atores que têm relevância no cenário micronacional – ou daqueles que Cava denominava de extraordinários. Como Aron afirmava, estes se dividem em extraordinários revolucionários e extraordinários reacionários. Este é o cenário: aqueles que se prenderão ao velho e aqueles que sentirão as mudanças dos tempos.

 

Pensamento socioculturalista

As duas revoluções – Carlos Góes. (reeditado)
O micronacionalismo contemporâneo necessita de duas revoluções: uma teleológica e outra tecnológica.
A primeira, passa pela construção de um verdadeiro nacionalismo popular – ex partis populis – que, por meio da lenta lapidação de uma cultura comum – com doutrinas, normas de procedimento, artefatos, símbolos, métodos e costumes -, gere os laços imaginários de identidade nacional que faltam para dar razão ao fragmento -nacionalismo do [micro-]nacionalismo. Este é processo extremamente complexo, pois a construção de vínculos nacionais interpessoais leva algum tempo e, ademais, o aspecto voluntarista do nacionalismo em miniatura contribui para tornar estes laços mais fracos.
Quais são os modos de fazer isto? Governos não produzem cultura. Podem, ao máximo promover uma homogeneização cultural (v. GUIBERNAU, MONSERRAT, Nacionalismos.). É exemplo disso a escolha do Império Austro-Húngaro pela germanização em detrimento do seu multiculturalismo germânico-magiar.
Esta homogeneização é exemplo de nacionalismo oficial, e não popular. O “benchmark” que temos de nacionalismo oficial em escala reduzida é Reunião. Nela, Cláudio de Castro, utilizando-se das tradições de 10 anos de micronacionalismo define o que é o “way of life” reunião e o que está fora dele. Esta lógica foi aplicada por diversos governos na história, em especial nos absolutos/ditatoriais (vide Sião e Estados da Indochina), mas também nos democráticos (vide o massacre dos nativos da América do Norte pelos Estados Unidos) – desde que, nestes últimos, haja significativa distância entre o grupo dominante e a massa popular.O nacionalismo popular, entretanto, é de muito mais difícil realização – em especial no modo em que se dá o micronacionalismo atual. Para que este aconteça é necessário que a própria sociedade alimente o espírito de pertencimento e identidade nacionais, para que o vínculo de nacionalidade seja muito mais que uma escolha ordinária entre camisetas amarelas ou vermelhas, se tornando algo profundo – cujo rompimento não seja simples. Das relações sociais entre os indivíduos emergirá a idéia de nação e, naturalmente, a força do vínculo nacional será diretamente proporcional ao direcionamento das relações sociais ao reforço do sentimento nacional.
Afora isso, para que os micronacionalistas consigam compreender melhor as relações sociais, são necessárias novas ferramentas de comunicação. Muito embora a comunicação escrita tradicional do micronacionalismo transmita relações sociais, é fato que estas não se limitam a isso. As cores, imagens, cheiros, sons, movimentos e emoções formam aspectos intangíveis das relações sociais. Em outra palavras, é muito mais fácil perceber alguém você conversa por vídeo-conferência como um indivíduo real que tem relações sociais com você do que um remetente de e-mails que você não conhece.
Esta é a segunda revolução necessária: a tecnológica. Ela vive em função da primeira, tendo como objetivo reforçar a interpretação teleológica do projeto micronacional como sendo um projeto real de nação. As novas tecnologias ora disponíveis para utilização online têm como um ponto: a interatividade. E é na interação que reside o ponto nevrálgico das relações sociais. Sem aquela estas não podem existir.
Redes de relacionamento, wikis, vídeos, podcasts/blogs, fotos, áudio e vídeo-conferências. O desafio é conseguir agrupar todos estes elementos em um único recinto e trazer racionalidade em seus usos para o micronacionalismo. Tendo estes elementos como foco, deslocaremos o eixo da interação micronacional da emulação às relações político-sociais.
No lugar de palácios imaginários, fotos de nosso dia-a-dia pessoal. Ao invés de dizer “o que Hitler fez não importa no micronacionalismo”, o aproveitamento de toda a nossa carga intelectual e emocional em nossa prática micronacional. Podem pensar: ora, mas as pessoas terão “medo” de fazê-lo, de se expor. Ora, mas as mesmas já não o fazem hoje? Orkut, Flickr, Blogger, Skype, YouTube estão aí para nos provar isso. A tal “web 2.0”. Se as micronações passarem a se apresentar desta forma desde sua gênee, os novatos não terão problema em se adaptar – pois não estarão submersos nos velhos dogmas que habitam a Lusofonia.

Artigo

Definindo a idéia de nação – Peter Ravn Rasmussen (tradução: Carlos Góes).

Os seres humanos são animais tribais, com a tendência de se organizar em pequenos grupos em torno de machos e fêmeas dominantes – como um grupo de macacos em árvores. O elemento fundamental da organização humana é um grupo tribal e local, que, em sociedades mais avançadas, formam a base de uma estrutura mais elaborada de sociedade civilizada.

A idéia de nação (da palavra latina natio, que deriva de natus “nascido”) implica em um relacionamento comum de sangue. De fato, este relacionamento raramente é factual – mais comumente, deriva de um suposto ancestral comum. Este ancestral comum pode ser uma figura histórica, ou, na maioria das vezes, um ser mítico.

Colocando o tribalismo à parte, os laços que unem um grupo de pessoas em uma nação são muito mais complexos que simples relacionamentos sangüíneos (reais ou imaginários). Este relacionamento somente pode subsistir nos mais baixos níveis de organização social (e mesmo assim, hierarquias locais organizadas por sangue se tornaram raras no mundo moderno). À medida que a sociedade civilizada cresce, cada vez mais complexa, a nacionalidade se cria em função de uma série de fatores – sendo a ancestralidade comum somente um deles.

A linguagem é um fator, sem dúvida alguma – embora existam nações que existam com múltiplas línguas (obviamente, para cada história de sucesso, há um contra-exemplo de desintegração nacional por elementos lingüísticos). Entretanto, as nações com uma única linguagem dominante usualmente utilizam-se desta língua definir que eles são. Este é particularmente o caso daquelas situações em que a língua é extremamente difícil para que estrangeiros aprendam (e.g. dinamarquês, finlandês ou japonês).

A cultura e os artefatos da cultura, são importantes para a definição da nação – pergunte aos gregos sobre a importância dos Mármores de Elgin ou a um dinamarquês sobre os Chifres de Ouro. Usualmente, os artefatos culturais que mudaram de mãos ao longo da história se tornam objeto de disputa nacional, ícones de falta de afeição entre as nações envolvidas.

Os proponentes de uma ideologia nacionalista usualmente lançam mão da idéia de que sua nação é imutável e “original” – que as doutrinas e atributos de sua nação são fixos, e foram parte da característica nacional desde antes da invenção da escrita. Por exemplo, os nacionalistas alemães recordam a vitória sobre as legiões romanas nas Florestas de Teutoburgo, pelo líder tribal germânico Arminius (“Hermann”).

Não obstante, há claras evidências que nenhuma nação são entidades imutáveis. Paradoxalmente, se existe uma constância na sociedade humana, é sua transformação, e isso assegura que uma nação de hoje seja completamente diferente da nação de mesmo nome que existiu há uma geração. As nações estão evoluindo e modificando-se, tudo ao mesmo tempo.

Em resumo, alguns dos atributos da existência nacional [nationhood]:

  • Uma postulação comum de interrelacionamento – um laço “sangüíneo” entre os membros. Este relacionamento pode ser real, mas mais comumente, deriva de um mito;

  • Uma herança cultural comum. Esta herança, e particularmente os artefatos culturais (e também, por vezes, estruturas institucionais) que esta herança gerou, representam o “patrimônio” da nação, que é usualmente dotado de um considerável valor sentimental, à extenção de que ataques ao mesmo são respondidos com uma violência emocional;

  • Coerência lingüística, na forma de uma ou mais línguas identificadas com a identidade nacional. Quão mais únicas e difíceis forem estas línguais, mais forte será o vínculo emocional a elas, como algo que deve ser defendido. Em um mundo de telecomunicações de massa e de onipresença do inglês como língua franca, esforços estão sendo levados a cabo em todos mundo para proteger as línguas nacionais (mais claramente, na Islândia e na França);

  • Um sentimento de identidade, pelos membros, com a nação. A idéia de pertencimento nacional está claramente fundado na psiqué humana, e os membros de uma nação respondem de forma visceral a qualquer ameaça a mesma, seja esta real ou uma simples percepção.

Observando a lista acima, um leitor astuto verá que de forma alguma, ela é exaustiva – como não contém todos os atributos requeridos à existência nacional. Particularmente, um elemento ausente está inexoravelmente ligado à ideologia nacionalista: o território.

O território – sustento – não é uma algo conexo à nacionalidade, embora nos últimos século e, particularmente, desde a década de 1860, ele tenha se tornado encrustrado à base ideológica de muitas causas nacionalistas. A idéia de “terra natal”, este domínio quase mítico que é herança inalienável da nação é um conceito tão antigo quanto o Velho Testamento. Somente depois de Bismarck, entretanto, as aspirações territoriais de uma nação se tornaram tão importantes quanto são hoje.

Isso nos leva ao mais problemático de todos os conceitos: o de Estado-Nação. Os movimentos nacionalistas do Século XIX e posteriores criaram (ou, ao menos, evoluíram) este conceito, ligando a nação à terra. Esta percepção de inseparabilidade entre “Blut und Boden” (Sangue e Solo) causou várias guerras, nas quais duas nações reclamavam o mesmo território – e ambas reservavam seus “direitos” à terra com uma devoção quase divina.

O Estado-Nação, portanto, encorpa a idéia nacionalista de que deveria existir uma completa correspondência entre as nações e os Estados que as governam. Os tchecos deveriam ter uma terra tcheca, com um estado tcheco soberano a governando, -ai.

Este seria um princípio importante, se não fosse contrário aos fatos – o fatos sendo que existem pelo menos 8000 nacionalidades (factuais ou potenciais) na face da Terra, e que suas terras-natais reivindicadas frequentemente se sobrepõem. De modo similar, o ideal nacionalista de um mundo de Estados-Nação é impraticável, e potencialmente uma base para crueldade, perseguição, genocídio e limpesa étnica.

Ademais, o ideal nacionalista do Estado como a encarnação de uma única nação é irrelevante para exemplificar a natureza do Estado, que tentarei demonstrar no próximo capítulo.

Expediente

Editor – Carlos Góes

Redação – Carlos Góes, Filipe Sales, Rodrigo Mariano e Fernando Henrique Cardozo.

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