<![CDATA[Definindo a Idéia de Nação]]>O Socioculturalista #10, 20 de agosto de 2007.
DEFININDO A IDÉIA DE NAÇÃO – Peter Ravn Rasmussen (tradução: Carlos Góes).

Os seres humanos são animais tribais, com a tendência de se organizar em pequenos grupos em torno de machos e fêmeas dominantes – como um grupo de macacos em árvores. O elemento fundamental da organização humana é um grupo tribal e local, que, em sociedades mais avançadas, formam a base de uma estrutura mais elaborada de sociedade civilizada.

A idéia de nação (da palavra latina natio, que deriva de natus “nascido”) implica em um relacionamento comum de sangue. De fato, este relacionamento raramente é factual – mais comumente, deriva de um suposto ancestral comum. Este ancestral comum pode ser uma figura histórica, ou, na maioria das vezes, um ser mítico.

Colocando o tribalismo à parte, os laços que unem um grupo de pessoas em uma nação são muito mais complexos que simples relacionamentos sangüíneos (reais ou imaginários). Este relacionamento somente pode subsistir nos mais baixos níveis de organização social (e mesmo assim, hierarquias locais organizadas por sangue se tornaram raras no mundo moderno). À medida que a sociedade civilizada cresce, cada vez mais complexa, a nacionalidade se cria em função de uma série de fatores – sendo a ancestralidade comum somente um deles.

A linguagem é um fator, sem dúvida alguma – embora existam nações que existam com múltiplas línguas (obviamente, para cada história de sucesso, há um contra-exemplo de desintegração nacional por elementos lingüísticos). Entretanto, as nações com uma única linguagem dominante usualmente utilizam-se desta língua definir que eles são. Este é particularmente o caso daquelas situações em que a língua é extremamente difícil para que estrangeiros aprendam (e.g. dinamarquês, finlandês ou japonês).

A cultura e os artefatos da cultura, são importantes para a definição da nação – pergunte aos gregos sobre a importância dos Mármores de Elgin ou a um dinamarquês sobre os Chifres de Ouro. Usualmente, os artefatos culturais que mudaram de mãos ao longo da história se tornam objeto de disputa nacional, ícones de falta de afeição entre as nações envolvidas.

Os proponentes de uma ideologia nacionalista usualmente lançam mão da idéia de que sua nação é imutável e “original” – que as doutrinas e atributos de sua nação são fixos, e foram parte da característica nacional desde antes da invenção da escrita. Por exemplo, os nacionalistas alemães recordam a vitória sobre as legiões romanas nas Florestas de Teutoburgo, pelo líder tribal germânico Arminius (“Hermann”).

Não obstante, há claras evidências que nenhuma nação são entidades imutáveis. Paradoxalmente, se existe uma constância na sociedade humana, é sua transformação, e isso assegura que uma nação de hoje seja completamente diferente da nação de mesmo nome que existiu há uma geração. As nações estão evoluindo e modificando-se, tudo ao mesmo tempo.

Em resumo, alguns dos atributos da existência nacional [nationhood]:

Observando a lista acima, um leitor astuto verá que de forma alguma, ela é exaustiva – como não contém todos os atributos requeridos à existência nacional. Particularmente, um elemento ausente está inexoravelmente ligado à ideologia nacionalista: o território.

O território – sustento – não é uma algo conexo à nacionalidade, embora nos últimos século e, particularmente, desde a década de 1860, ele tenha se tornado encrustrado à base ideológica de muitas causas nacionalistas. A idéia de “terra natal”, este domínio quase mítico que é herança inalienável da nação é um conceito tão antigo quanto o Velho Testamento. Somente depois de Bismarck, entretanto, as aspirações territoriais de uma nação se tornaram tão importantes quanto são hoje.

Isso nos leva ao mais problemático de todos os conceitos: o de Estado-Nação. Os movimentos nacionalistas do Século XIX e posteriores criaram (ou, ao menos, evoluíram) este conceito, ligando a nação à terra. Esta percepção de inseparabilidade entre “Blut und Boden” (Sangue e Solo) causou várias guerras, nas quais duas nações reclamavam o mesmo território – e ambas reservavam seus “direitos” à terra com uma devoção quase divina.

O Estado-Nação, portanto, encorpa a idéia nacionalista de que deveria existir uma completa correspondência entre as nações e os Estados que as governam. Os tchecos deveriam ter uma terra tcheca, com um estado tcheco soberano a governando, -ai.

Este seria um princípio importante, se não fosse contrário aos fatos – o fatos sendo que existem pelo menos 8000 nacionalidades (factuais ou potenciais) na face da Terra, e que suas terras-natais reivindicadas frequentemente se sobrepõem. De modo similar, o ideal nacionalista de um mundo de Estados-Nação é impraticável, e potencialmente uma base para crueldade, perseguição, genocídio e limpesa étnica.

Ademais, o ideal nacionalista do Estado como a encarnação de uma única nação é irrelevante para exemplificar a natureza do Estado, que tentarei demonstrar no próximo capítulo.

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